MAGISTRADO QUE ANALISOU O CASO UTILIZOU O PROTOCOLO PARA JULGAMENTO COM PERSPECTIVA DE GÊNERO DO CNJ, OBRIGATÓRIO NO JUDICIÁRIO
Durante as reuniões habituais de uma empresa que vende bolos, era comum que o empregador xingasse a equipe. Uma das trabalhadoras, que foi chamada de “cadela no cio”, entre outras ofensas, vai receber uma indenização de R$ 5 mil pelos danos morais sofridos.
A decisão é da Vara do Trabalho de Primavera do Leste e transitou em julgado em 22 de agosto deste ano, ou seja, não tem mais possibilidade de recurso.
As testemunhas ouvidas pela Justiça contaram sobre as provocações e humilhações a que eram submetidas para manter o emprego. Uma delas disse que presenciou o patrão dizer à trabalhadora que tinha náuseas ao olhar para ela.
Em áudio juntado ao processo, o empregador reconhece que xingou a trabalhadora e, inclusive, pede desculpas. No entanto, em seu depoimento pessoal em juízo, negou pelo menos quatro vezes que o episódio aconteceu, mesmo sem negar que a voz do áudio era dele.
Ao analisar o caso, o juiz Paulo César Nunes da Silva se baseou nas diretrizes do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça (Resolução n. 492/2023). “A conduta do empregador revelou-se especialmente grave, pois, em certo momento, lançou mão de xingamento misógino contra a autora, atingindo sua dignidade humana enquanto mulher”.
O magistrado destaca que o ordenamento jurídico protege o direito das mulheres, sobretudo o direito à isonomia e de não sofrer discriminação. “O empregador incorreu em clara discriminação por motivo de gênero, fortemente coibida e combatida por nosso ordenamento”, analisou.
Paulo César Nunes da Silva explica que a conduta do empregador ofendeu os direitos de personalidade da trabalhadora, atingindo a honra, a imagem e a dignidade. Além disso, configurou abuso de direito e violação à boa-fé objetiva. “O dano moral, nesse caso, é presumido já que as circunstâncias demonstram, por si sós, a violação aos direitos da personalidade, sendo inferível o sofrimento”.
O magistrado enfatiza ainda que é direito fundamental do empregado e dever do empregador assegurar um meio ambiente de trabalho sadio, saudável e equilibrado, tanto no aspecto físico quanto no psicossocial. “Isso inclui a promoção da harmonia e do bem-estar dos empregados no ambiente laboral, com a abstenção de quaisquer práticas aptas a gerar violência física, moral ou emocional”, concluiu.
Litigância de má-fé
Para o juiz, ficou claro, durante a condução das audiências, que o empregador mentiu ao negar que não teria xingado a autora, mesmo havendo áudio no processo no qual reconhecia a atitude. “As partes devem cooperar, zelar por uma dialética processual frutificante, trazer argumentos sólidos e fundamentados, fugindo, sempre, da verborragia, dos argumentos vãos e vazios, das tentativas de distorção da realidade, que não se prestam senão a atrasar a retardar a prestação jurisdicional, sendo um desserviço à eficiência”, alertou o magistrado.
A mentira configurou litigância de má-fé e o empregador terá que pagar multa de 2% sobre o valor da causa. O valor será revertido para a trabalhadora.
Perspectiva de gênero
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, em março de 2023, a Resolução nº 492 que torna obrigatória a adoção do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero para todo o Poder Judiciário. O documento tem por objetivo evitar preconceitos e discriminação por gênero e está alinhado ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 5 da Agenda 2030 da ONU.
O protocolo traz considerações sobre igualdade e um guia com exemplos práticos para que os julgamentos não reproduzam estereótipos e perpetuem diferenças.
PJe: 0000003-51.2023.5.23.0076
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho 23ª Região Mato Grosso